Cumpri quatro comissões no Ultramar: em Goa, como alferes e tenente, comandante de um pelotão de reconhecimento; em Moçambique, já capitão, no comando da Companhia de Cavalaria 568; em Angola, ainda capitão, comandante da Companhia de Cavalaria 1773; e, por último, já major, como oficial de operações do Batalhão de Cavalaria 3836. Torna-se difícl falar de tudo o que passei durante as minhas comissões. Falarei da ‘minha guerra’, a que vivi com os meus homens. Não falo do que fizeram ou deixaram de fazer as outras unidades.
Reposta a verdade, lembro agora um episódio que passei em Moçambique, no comando da Companhia 568, e que muito me marcou.
Tomámos parte em inúmeras operações, planeadas a maior parte delas pelo então tenente-coronel Pires Veloso (hoje major-general na reforma), a quem chamávamos o ‘Embrulha’. E ele sabia que tinha esta alcunha. Era o ‘Embrulha’ porque sempre que aparecia era para nos meter numa embrulhada. A maior que ele nos arranjou foi uma grande operação conjunta com pára-quedistas, comandos e fuzileiros. Esta acção militar foi desencadeada a norte de Metangula. Em dada altura, durante a operação, um ‘pára’ teve a infelicidade de pisar uma mina – e ficou sem um pé. O ferido, que se esvaía em sangue, necessitava de ser evacuado com urgência. Mas não havia helicópteros disponíveis. E ali não existia pista para um avião.
Os meus homens levavam para as operações uma catana no cinturão. Só havia uma solução: abrir uma picada à catanada, por entre a vegetação, para servir de pista. Foi isso que fez o pessoal da Companhia 568 – enquanto os pára-quedistas garantiam a nossa segurança. Ouvimos no céu o barulho de um Dornier 27. Não sabia que aos comandos do aparelho vinha o extraordinário piloto que era o então tenente Carrilho – e ainda bem que era ele. Conseguiu aterrar naquela pista improvisada e curta. Eu nunca tinha visto uma coisa assim: o avião balançava no ar como uma folha de papel a perder altura – até que o trem de aterragem tocou o solo. Embarcámos o ferido. O piloto conseguiu fazer subir o avião, motor na máxima rotação, em tão curto espaço.
Ainda hoje me vêm as lágrimas aos olhos ao recordar este episódio. Não sei se o ‘pára’ sobreviveu. Gostava de saber. Fizemos tudo para o salvar. Ele foi para o hospital, em Vila Cabral, nas mãos de Deus e do piloto Carrilho.
LIVRE DA INVASÃO DE GOA
José Cabedo fez a primeira comissão no Estado Português da Índia como comandante de um pelotão de reconhecimento em Goa. Os homens que o renderam sofreram a invasão pelas tropas indianas. O então governador, general Vassalo e Silva, não tinha alternativa que não fosse a rendição. Era isso ou, como pretendia Salazar, a carnificina inútil de uma guarnição escassa e mal armada. "Só pode haver portugueses vitoriosos ou mortos", exigia o presidente do Conselho em Lisboa. Os nossos militares foram humilhados e tratados como cobardes pelo regime.
Esta oportunidade de escrever sobre o que se passou devo aos militares sob o meu comando. Não admito que outros falem por nós. Enquanto puder, defenderei com tudo o que tiver ao meu alcance o que os meus homens fizeram e como se comportaram. Já que alguém resolveu escrever sobre a companhia que comandei (ver depoimento de António Guerreiro, na edição de 27 de Setembro de 2009, "Cortaram tornozelos para roubar as botas"), ainda por cima com mentiras e asneiras, resolvi sair a terreiro – não para salvar a minha honra mas para repor a verdade em defesa dos meus homens.
Escreveu António Guerreiro: "Lembro-me de um homem, de outra companhia, que foi vítima de uma emboscada e cortaram-lhe os tornozelos para lhe roubarem as botas. (...) Recordo-me de que estávamos de segurança e decidíramos jogar à bola para passar o tempo. A determinada altura, alguém chegou e disse: ‘Temos de sair já, parece que há mortos por aí’. Fomos ao acampamento vizinho e, quando lá chegámos, era um quadro de terror. Nesse destacamento, dentro de uma igreja pequenina, lá estavam três corpos tapados com lençóis. Destapei-os. (...) Lá estavam dois alferes e um cabo. Mortos a tiros e mutilados com catanas."
Escreveu António Guerreiro: "Lembro-me de um homem, de outra companhia, que foi vítima de uma emboscada e cortaram-lhe os tornozelos para lhe roubarem as botas. (...) Recordo-me de que estávamos de segurança e decidíramos jogar à bola para passar o tempo. A determinada altura, alguém chegou e disse: ‘Temos de sair já, parece que há mortos por aí’. Fomos ao acampamento vizinho e, quando lá chegámos, era um quadro de terror. Nesse destacamento, dentro de uma igreja pequenina, lá estavam três corpos tapados com lençóis. Destapei-os. (...) Lá estavam dois alferes e um cabo. Mortos a tiros e mutilados com catanas."
A companhia que eu comandava, a 1773, estava na Fazenda Beira Baixa, enquanto a de António Guerreiro, então furriel, a 1774, estava em Nambuangongo. É certo que dois grupos de combate da minha companhia sofreram uma emboscada, entre a Beira Baixa e Balacende, por um grupo inimigo constituído por uns 50 homens. Também é verdade que os guerrilheiros levaram as botas de um dos militares mortos. Mas é falso que lhe tivessem decepado os pés. Ao destapar os corpos, como diz que fez, podia ter observado isto mesmo. Mas é claro que não viu nada. Resta-me dizer, sobre este episódio, que os meus homens responderam à emboscada com valentia raiando a heroicidade.
Nunca ouvi falar do tal desertor que, segundo António Guerreiro, andaria na zona armado com uma espingarda de sniper a atirar apenas contra os graduados e a quem chamavam o ‘Mata Alferes’. É um disparate. Não usávamos nem galões, nem divisas, nem óculos escuros quando saíamos para combate.
Reposta a verdade, lembro agora um episódio que passei em Moçambique, no comando da Companhia 568, e que muito me marcou.
Tomámos parte em inúmeras operações, planeadas a maior parte delas pelo então tenente-coronel Pires Veloso (hoje major-general na reforma), a quem chamávamos o ‘Embrulha’. E ele sabia que tinha esta alcunha. Era o ‘Embrulha’ porque sempre que aparecia era para nos meter numa embrulhada. A maior que ele nos arranjou foi uma grande operação conjunta com pára-quedistas, comandos e fuzileiros. Esta acção militar foi desencadeada a norte de Metangula. Em dada altura, durante a operação, um ‘pára’ teve a infelicidade de pisar uma mina – e ficou sem um pé. O ferido, que se esvaía em sangue, necessitava de ser evacuado com urgência. Mas não havia helicópteros disponíveis. E ali não existia pista para um avião.
Os meus homens levavam para as operações uma catana no cinturão. Só havia uma solução: abrir uma picada à catanada, por entre a vegetação, para servir de pista. Foi isso que fez o pessoal da Companhia 568 – enquanto os pára-quedistas garantiam a nossa segurança. Ouvimos no céu o barulho de um Dornier 27. Não sabia que aos comandos do aparelho vinha o extraordinário piloto que era o então tenente Carrilho – e ainda bem que era ele. Conseguiu aterrar naquela pista improvisada e curta. Eu nunca tinha visto uma coisa assim: o avião balançava no ar como uma folha de papel a perder altura – até que o trem de aterragem tocou o solo. Embarcámos o ferido. O piloto conseguiu fazer subir o avião, motor na máxima rotação, em tão curto espaço.
Ainda hoje me vêm as lágrimas aos olhos ao recordar este episódio. Não sei se o ‘pára’ sobreviveu. Gostava de saber. Fizemos tudo para o salvar. Ele foi para o hospital, em Vila Cabral, nas mãos de Deus e do piloto Carrilho.
LIVRE DA INVASÃO DE GOA
José Cabedo fez a primeira comissão no Estado Português da Índia como comandante de um pelotão de reconhecimento em Goa. Os homens que o renderam sofreram a invasão pelas tropas indianas. O então governador, general Vassalo e Silva, não tinha alternativa que não fosse a rendição. Era isso ou, como pretendia Salazar, a carnificina inútil de uma guarnição escassa e mal armada. "Só pode haver portugueses vitoriosos ou mortos", exigia o presidente do Conselho em Lisboa. Os nossos militares foram humilhados e tratados como cobardes pelo regime.
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