9 de julho de 2011

Binómios. Ou quando a vida de cão é interessante

O sargento-ajudante António Silva nem queria acreditar quando reparou que os bancos do automóvel eram feitos de gente. De carne e osso, em vez de tecido ou couro. Em 2007, a GNR participava com os seus homens em operações da FRONTEX, a agência europeia encarregue de coordenar a segurança das fronteiras da União Europeia. Dois homens, dois cães, os binómios (homem-cão) que durante cerca de um mês estiveram no porto de Algeciras na fronteira entre Marrocos e Espanha. Estes dois imigrantes ilegais vinham disfarçados de bancos de automóvel e para o disfarce ser credível percorreram mais de 1000 quilómetros com o condutor e o pendura, literalmente, ao colo. O caricato do método usado para tentar atravessar a fronteira fica ensombrado com a tragédia dos imigrantes ilegais, que procuram uma vida melhor, às vezes à custa da sua própria vida.

As histórias dos homens do Grupo de Intervenção Cinotécnico da GNR são sempre contadas com emoção, que os cenários não permitem a banalidade. Quer seja nas cheias no Alentejo em 1997, no terramoto dos Açores em 1998, na queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001, ou mais recentemente, em 2010, no desastre da Madeira, as operações têm sempre gente dentro. Vivos ou mortos.

Em Portugal, a cinotecnia da GNR começou em 1956 e a primeira missão no estrangeiro foi a formação em Goa, na Índia, de um serviço de cães-polícia para as autoridades locais. Desde então, não param de ser requisitados. Os simpáticos retrievers, labrador e golden, os ágeis pastores alemão e belga-mallinois, ou os ameaçadores schnauzer-gigante e o american- -staffordshire-terrier são as raças mais usadas pela GNR nas diferentes operações e valências daquela unidade com sede na Escola da Guarda em Queluz, Sintra.

Missões: São cerca de 120 homens e outros tantos cães no Centro de Intervenção Cinotécnico e outros 180 espalhados pelo país, que participam em diferentes missões, que vão da mais comum detecção de droga até aos explosivos, armas, papel moeda e agentes incendiários. Estes cães conseguem mesmo descobrir CD e DVD contrafeitos e participam também em operações de busca e salvamento.

O apoio à investigação criminal na procura de vestígios biológicos ou cadáveres é uma das valências mais utilizadas. O caso Maddie, no Algarve, contou com a participação de alguns destes homens, cinco cães de busca e salvamento e um cão pisteiro, durante as operações.

Se para os elementos da GNR as missões são sérias, já para os cães a ideia é outra. São recompensados com brincadeira. Na prática, os cães estão à procura de um boneco que têm direito a morder se encontrarem aquilo para que estão treinados. Por exemplo, depois de darem conta de um pacote de droga ou de dinheiro, o tratador atira-lhe um boneco e brinca um pouco com o cão.

Treino: Todavia, o treino para cada substância ou missão é bem diferente. Se para droga, DVD ou dinheiro, o cão esgravata com as patas o esconderijo, já nos explosivos senta-se e espera as ordens do agente. Uma postura treinada por motivos de segurança.

Na procura de objectos ilegais ladra e quando ordenam que encontre um agente usado para atear um fogo fica completamente imóvel. Desde 2005 que a GNR não compra cães, que vinham quase sempre do Centro da Europa - da Alemanha ou da Bélgica. A Guarda recebe cães de oferta que passam sempre pelo Teste de Aptidão Cinotécnica ou, simplesmente, aproveita dois ou três filhotes de uma ninhada criada na Escola da Guarda. Começam a ser utilizados entre os dez meses e os dois anos e, habitualmente, "reformam-se" aos oito, nove anos.

Actualmente há dois homens com cães na Grécia para ajudar a manter a ordem pública, que é uma das vertentes do Grupo Cinotécnico. A simples operação stop ou a retirada de um barricado são alguns dos exemplos onde esta Companhia de Intervenção actua. No caso dos barricados, onde não existam reféns, a intervenção táctica passa por uma entrada rápida de um cão que imediatamente se atira aos membros do suspeito, deitando-o ao chão.

Numa demonstração para o i, um elemento da GNR com um fato de protecção, simulou a situação: enquanto o "actor" gritava para o exterior, no espaço de segundos um pastor-belga entrou pela porta e outro cão da mesma raça pela janela. Três ou quatro segundos bastaram para o barricado ficar no chão, antes de ser algemado pelos homens da Companhia de Intervenção. No caso dos ilegais, nas várias missões em que a GNR participou, de Marrocos à Hungria, de Espanha à Grécia, os agentes detectaram mais de meia centena de ilegais. Mas foi na fronteira de Marrocos com Espanha que surgiram as situações mais complicadas.

Os imigrantes tentam passar a fronteira de todas as formas. Umas vezes com a conivência dos motoristas de autocarros e camiões, outras vezes porque se conseguiram esgueirar metros antes das patrulhas da polícia.

Salvar vidas: Como garantia ao i o comandante do Grupo Cinotécnico, major Costa Pinto, a detecção dos ilegais pode salvar as suas próprias vidas. Os esconderijos são os mais rocambolescos e indecifráveis que a imaginação possa conceber. Quase todos os homens, jovens, se escondem no interior de motores, nas caixas de ferramentas, nos pára-choques, nos tabliers dos automóveis, em contentores, entre outros expedientes. Chegam, como relatava um dos militares, a rasgar a lona que cobre as cargas dos camiões e, uma vez no interior, cosem o buraco para o tornar imperceptível. Nestes casos, os cães são uma mais-valia quer na detecção, quer na rapidez.

Na Escola da Guarda da GNR os binómios são isso mesmo. Uma simbiose entre humanos e canídeos com uma finalidade comum. Nas paredes, as fotos dos heróis de quatro patas lembram as façanhas. E o orgulho da companhia. (I)

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