7 de junho de 2013

'Não se pode comparar militares a funcionários públicos'

Num momento de mudanças profundas e criação da Escola de Armas, o Chefe do Estado-maior do Exército, General Pina Monteiro, garante que o Exército ‘nunca teve medo de reformas’ e avisa que «não se pode perverter a reserva».

Até 2020, as Forças Armadas vão ser reduzidas para 32 mil efectivos. Isso significa quantos militares a menos no Exército?

Em relação aos efectivos, seria prematuro adiantar números. Estamos a fazer estudos de ajustamento interno do dispositivo. O Exército já reduziu muito os efectivos. Desde o final de 2010, a redução foi de cerca de 16%. Neste momento, estamos a procurar, através de alterações estruturais, economizar efectivos para fazer face a esta redução sem que isso signifique muita mazela na parte operacional. Estamos a reduzir serviços, o Estado-maior, órgãos de planeamento – nomeadamente, nas grandes cidades, Lisboa e Porto –. Vamos fazer uma transformação completa dos centros de recrutamento, que vão passar apenas a dois. Muitas infra-estruturas vão ser mesmo alienadas. O exemplo mais marcante será o desaparecimento do Comando de Instrução e Doutrina, com a criação da Escola de Armas, em Mafra, que vai implicar uma transformação muito profunda no Exército.


O que vai implicar, em termos de organização?

Vamos extinguir seis unidades, as cinco escolas práticas [Infantaria, Artilharia, Engenharia, Cavalaria e Transmissões], que têm todas mais de 100 anos, e o Centro Militar de Educação Física. Isto é muito pesado. É difícil, mas tem de ser feito. As armas não vão desaparecer, vão ser centralizadas. Em 2014, prevejo que possa ter todos os cursos em Mafra. A nova Escola vai dar resposta à crescente especialização e diversificação de formação que hoje são necessárias. Vai ser uma organização em rede, articulada com pólos de formação nas unidades operacionais, que vão passar a ter mais tarefas do que tinham até agora. Vai ser marcante em termos de determinar um novo figurino e uma nova forma de trabalhar internamente. A estrutura que existe ainda vem do tempo do Serviço Militar Obrigatório (SMO).

Por que razão foi escolhida Mafra e não Santa Margarida?

Santa Margarida foi concebida para acolher uma unidade operacional, não uma escola, que precisa de auditórios e salas de aula. Os locais mais adequados seriam sempre as escolas práticas. Ou era Tancos ou Mafra. Estudámos a capacidade de alojamento, alimentação, instalações desportivas e o impacto social. Nessa ponderação, resultou clarinho que em Mafra, com a fusão com o Centro Militar de Educação Física e Desportos – a nossa unidade central para a educação física, equitação, tiro, esgrima –, não temos de construir nenhum edifício, só fazer remodelações. Os principais clientes serão a Academia Militar e a escola de sargentos. E vivem naquela área 1.023 quadros. Em Tancos ou Santa Margarida, a maioria são deslocalizados.

Que poupança haverá? Uma mudança dessas não tem custos?

Vai produzir uma economia de 550 efectivos e 7 a 8 milhões de euros. Ao longo de três a quatro anos, teremos de fazer reparações e ajustamentos – nomeadamente nos alojamentos – que podem ir até aos 4, 5 milhões, para ficar uma escola moderna e adequada.

Será uma nova era no Exército?

O Exército nunca teve medo das reformas. Podemos é ter receio da forma como as reformas são feitas. O Exército sempre se reformou. Depois da guerra colonial, em que tínhamos 200 mil homens, virámo-nos para a NATO e reconvertemos toda a nossa doutrina. Depois foi a extinção do SMO, passámos de 50 para 25 mil efectivos, tivemos a incorporação das mulheres. Isso tudo foi feito. Diria que agora é o decantar de todas as transformações que se fizeram. Esta é mais crítica porque vivemos a situação que é conhecida no país. Hoje comandar é difícil. Todos nós conhecemos as dificuldades que as pessoas vivem e os militares não são excepção.

Qual é o ambiente que se vive no Exército?

Os militares sentem que têm de ser um exemplo de estabilidade e segurança. Têm dado provas de que sabem encarar com serenidade as dificuldades que giram à volta do país e das Forças Armadas (FA). Sofremos como sofrem todos os portugueses a favor de um futuro melhor. Naturalmente, os militares também estão preocupados. Quando vêem os seus vencimentos a serem reduzidos, as condições sócio-económicas a baixarem, com certeza que a preocupação existe. É evidente que em alguns aspectos terá de haver uma ponderação particular em relação às FA, atendendo ao seu papel determinante para o Estado e para a projecção externa do país.

Os militares não são tratados como merecem ou não são compreendidos pelo poder político? É isso?

Normalmente, diz-se que é o poder político, mas vejo pessoas a escrever artigos de jornal que não entendo. Se é ser-se privilegiado não ter horário de trabalho ou horas extraordinárias, ter de marchar para onde quer que seja em qualquer momento, ter de aceitar restrições à cidadania! Tudo isto não são privilégios. Os militares não são uns privilegiados!

Concorda com eliminação do Suplemento de Condição Militar (SCM) na reserva?

Desconheço qualquer intenção de eliminar o SCM. Não concordaria, porque é um marco distintivo em relação às restrições que os militares têm. Coisa diferente é termos de fazer ajustamentos na situações de reserva para estarmos em concordância com 40 anos de descontos para a segurança social. Ajustamentos é uma coisa, perverter por completo o regime de reserva é outra. Há muitas pessoas que julgam que isto é um privilégio ou uma pré-reforma. Não, não! É uma condição estatutária a que nós estamos obrigados. A maior parte dos militares, quando chega a altura de passar à reserva, não quer. São obrigados, ou por idade ou para manter um ritmo de progressão de carreira, ou para garantir uma reserva operacional para situações de crise ou necessidade conjuntural. E os militares que sejam chamados à efectividade de serviço não podem recusar! A reserva não é, como se pensa, uma pré-aposentação ou uma forma de ir para casa descansar. Este é o estatuto de reserva que continuará a fazer sentido, seja com três, quatro ou cinco anos.

Como militar, sente que muitas vezes os militares são tratados como outros funcionários públicos?

Tenho muito respeito e prezo muito os funcionários públicos, mas naturalmente não se podem comparar os militares com a generalidade dos funcionários públicos. Temos missões e funções diferentes. Quando se pretende comparar o que é diferente, não resulta. Os militares têm de ter uma especificidade muito própria que é traduzida na condição militar.

O diálogo com o Governo é fácil?

O diálogo com o Governo é sempre fácil. A solução dos problemas é que pode ser difícil e ter de obrigar a mais diálogo.

Por causa da crise financeira, o Chefe de Estado-Maior da Armada disse esta semana que o ramo está a viver nos limites das suas capacidades. O Exército também?

Em estratégia, costuma dizer-se que as nossas vulnerabilidades não devem ser divulgadas! O orçamento é difícil para todos. Temos dificuldade, por exemplo, em garantir a manutenção de infra-estruturas de uma forma mais sustentada. Temos feito redução de aquisições de reserva. No ano passado e neste ano não fazemos o exercício Orion. Mas temos de redefinir prioridades e centrarmo-nos naquilo que é o essencial. O mais importante é a parte operacional: manter as forças preparadas e prontas, porque nunca se sabe se no dia seguinte serão necessárias. Sobre o reequipamento militar, o chefe do estado-maior do exército, o General Pina Monteiro, lamenta o cancelamento dos hélis e espera pela conclusão das Pandur.

Em termos de reequipamento militar, quais são as prioridades?

As viaturas tácticas ligeiras 4x4 – uma carência fundamental, como se verificou no Afeganistão – e a conclusão das capacidades que faltam nas Pandur.

Até quando é que os militares continuarão a usar a G3? Não é mais uma relíquia, uma peça de museu?

Bem, até termos uma nova. Mas não é relíquia. A G3 continua a ser uma arma altamente eficaz e o seu calibre provou, no Afeganistão, ser o mais eficaz. Agora, estas munições são muito mais caras. Mas não temos só G3. As forças especiais e os pára-quedistas têm outras armas.

Com o cancelamento dos helicópteros ligeiros, o que vai acontecer aos pilotos e mecânicos já formados?

Temos, ao todo, 11 pilotos e 15 mecânicos. Cinco pilotos e cinco mecânicos estão no Exército espanhol. E temos pilotos na Empresa de Meios Aéreos para fazer a campanha dos incêndios. Como CEME, tenho alguma dificuldade em explicar aos homens que estão prontos a operar que não temos os meios para isso. Vamos aguardar.

Para que vai servir a nova Unidade de Apoio Militar de Emergência em Abrantes?

É uma unidade polivalente que visa dar mais relevo ao emprego da vertente militar em situações de emergência e protecção civil. Foi o que fizemos recentemente em Pombal, quando às dez da noite nos foi solicitada capacidade para fornecer energia eléctrica àquelas populações. Às quatro da manhã tínhamos em Pombal apoio disponível com geradores. Para isso, foi preciso activar os transportes, o depósito de material de Benavente, a polícia do Exército, o centro militar electrónico, a unidade de Leiria. Este módulo dará resposta mais facilmente. O hospital de campanha vai ficar também lá integrado, no centro do país.(Sol)

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