18 de maio de 2014

DISCURSO DO ALMIRANTE CEMA E AMN POR OCASIÃO DO DIA DA MARINHA

Excelentíssimo Senhor Ministro da Defesa Nacional,
 
Gostaria de começar por agradecer a Vossa Excelência ter-se dignado presidir a esta cerimónia do Dia da Marinha, em que assinalamos a passagem de mais um aniversário da chegada da Armada de Vasco da Gama a Calecute, no dia 20 de maio de 1498. Encaramos a presença de Vossa Excelência como uma inequívoca manifestação de apoio e reconhecimento pela acção de todo o pessoal que, na Marinha, serve sob sua tutela.
 
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais,
 
A Marinha existe para servir Portugal e os Portugueses e por isso entendemos que é nosso dever levar a Marinha para junto das populações que orgulhosamente servimos, dando a conhecer quem somos e o que fazemos.
Foi imbuídos deste espírito que acedemos ao amável convite do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais para festejarmos, nesta lindíssima baía, o Dia da Marinha. Aqui estivemos pela última vez em 2001, e voltamos porque esta é terra de Mar onde sempre nos sentimos em casa.

 
A vila de Cascais encontra-se intimamente ligada à nossa história e também ao feito que serve de mote às celebrações do dia da Marinha, pois foi em Cascais que arribou Nicolau Coelho, ao comando da Bérrio, relatando a boa nova da chegada de Vasco da Gama à India.
 
Vila que cresceu e ganhou notoriedade através de D. Carlos I, Rei que pela sua acção como cientista do Mar se constituiu como referência nacional da oceanografia, razão pela qual o Museu do Mar, aqui sediado, tomou o seu nome.
 
Nos dias de hoje, o Concelho de Cascais continua intimamente ligado ao Mar e à Marinha, sendo protagonista de diversas iniciativas no sentido de projectar Portugal para o Mar.
 
Acresce a tudo isto o facto de Cascais estar a celebrar os seiscentos e cinquenta anos da sua elevação a vila e os quinhentos anos do seu foral, constituindo por isso uma especial honra para a Marinha poder associar-se a essa celebração, festejando o seu dia em estreita comunhão com a população desta vila.
 
 
Creia Senhor Presidente que este projecto, abraçado por si desde início, e acarinhado por todos os autarcas e demais colaboradores que connosco trabalharam, apenas foi possível graças ao prestimoso apoio e à total disponibilidade da Câmara Municipal de Cascais.
O meu muito obrigado.
 
Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional,
Senhor Vice-Presidente, em representação do Presidente da Comissão de Defesa Nacional,
Senhores Deputados,
Senhores Almirantes Antigos Chefes do Estado-Maior da Armada,
Senhor Tenente-General Chefe da Casa Militar de Sua Excelência o Presidente da República,
Senhor Vice-Almirante Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada,
Senhor Tenente-General em representação do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas,
Senhores Tenentes-Generais Vice-Chefe, em representação dos Chefes do Estado-Maior dos Ramos,
Senhores Almirantes,
Excelência Reverendíssima Bispo das Forças Armadas e de Segurança,
Ilustres Autoridades Civis e Militares,
Distintos Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
 
Agradeço a presença de Vossas Excelências nesta cerimónia, porque para além de lhe conferir lustre acrescido é expressiva da estima e consideração que nutrem por aqueles que defendem os interesses de Portugal no Mar.
Sejam bem-vindos.
 
Militares, Militarizados e Civis da Marinha,
 
Hoje é o Dia da Marinha, hoje é o vosso dia, o dia de todos os que são da Marinha, dos que servem Portugal defendendo os seus interesses no Mar, quer no âmbito estritamente militar, quer em actividades de natureza civil, onde se inclui o apoio à Autoridade Marítima Nacional.
 
Como vosso Comandante gostaria de começar por afirmar que é com muito orgulho que vos saúdo, homens e mulheres que, na Marinha, cumprem as missões que nos são atribuídas, com dedicação e empenho, sem regatear esforço, contribuindo desta forma, para que Portugal e os Portugueses possam usar o Mar em seu proveito.
 
Gostaria também de dirigir uma saudação muito especial àqueles que, no Mar, regressam a casa após dois meses e meio de presença no Golfo da Guiné, aos que em treino, frequentam o Portuguese Operational Sea Training, em Plymouth, aos que em terra, cumprem missões operacionais nos diversos teatros de operações em que a Marinha marca presença, e também a todos os que se encontram hoje com missão atribuída nos espaços marítimos sob soberania, jurisdição e responsabilidade nacional, cumprindo tarefas de vigilância e controlo, bem como, a muito nobre missão de salvaguarda da vida humana.
 
Gostaria ainda de saudar os que tendo já deixado o serviço activo, são da Marinha e que considero representados pelos meus ilustres antecessores aqui presentes.
 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,

Dirijo-me a Vossa Excelência, no Dia da Marinha, pela primeira vez como Chefe do Estado-Maior da Armada e, por inerência, Autoridade Marítima Nacional. Nesta circunstância, aproveito a oportunidade para efectuar uma breve reflexão sobre o ano transacto e apresentar a minha perspectiva para o futuro.

Portugal cumpriu, nos últimos três anos, um muito exigente programa de ajustamento financeiro, enfrentando momentos de extrema dificuldade que, naturalmente, têm tido significativo impacto na Marinha.

Mesmo assim, e fruto de uma ágil gestão dos recursos que nos foram disponibilizados nos últimos anos e de uma dedicação ímpar de todos que abnegadamente servem na Marinha, embora com indisfarçáveis limitações, conseguimos cumprir as missões que nos foram atribuídas.
 
No âmbito da defesa militar participámos em diversas missões, integradas nas Forças Nacionais Destacadas, como na Operação Atalanta, onde empenhámos uma fragata durante cinco meses e, mais uma vez, comandámos a força tarefa da União Europeia, contribuindo assim para a dissuasão, prevenção e repressão dos actos de pirataria na costa da Somália. Participámos também, com um submarino, na Operação Active Endeavour, cuja missão consiste em dissuadir e combater o terrorismo e a proliferação de armas de destruição maciça.

Ainda neste contexto continuamos a estar presentes em missões internacionais, como no Afeganistão, contribuindo para a segurança e estabilidade regional, no Kosovo, no apoio à paz naquela região do globo e também na missão de treino militar no Mali.
 
Colocámos todo o nosso empenho ao serviço de Portugal no estrangeiro, pois temos a noção da importância destas missões, que nos permitem afirmarmos-nos como uma nação contribuinte para o esforço internacional, de manutenção da paz e melhoria das condições de vida das populações em dificuldades, garantindo também desta forma a possibilidade de ter “voz activa” nos fora internacionais.
 
Continuamos a manter uma estreita ligação aos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, colaborando em diversas acções de cooperação, dando expressão à política externa nacional e contribuindo para o desenvolvimento das capacidades das Marinhas amigas e, desta forma, dar o nosso contributo para a segurança nos espaços marítimos de interesse nacional.
 
Estivemos presentes em exercícios conjuntos e combinados, preparando as nossas forças, para poder responder de forma cabal às necessidades de defesa própria e autónoma, bem como para assegurar a protecção dos interesses nacionais, onde, como e quando for considerado necessário.
 
Sendo este o Dia da Marinha, dia de todos aqueles que a servem, no âmbito da acção militar e não militar, quero, na minha qualidade de Autoridade Marítima Nacional, realçar o trabalho desenvolvido pelo pessoal que serve o Pais nesta tão relevante estrutura, designadamente na Direcção-geral da Autoridade Marítima e na Policia Marítima.
 
No âmbito da afirmação da soberania e autoridade do Estado no mar, efectuámos uma intensa actividade destinada a prevenir e reprimir os casos ilícitos contraordenacionais e penais nos espaços de jurisdição marítima, bem como acções de fiscalização, inspeccionando as actividades de pesca, no mar e em terra, para garantir o respeito pela legislação vigente, para melhorar as condições de segurança de quem anda no mar e para preservar os nossos recursos.
 
Assegurámos uma elevada prontidão dos meios de prevenção e combate a derrames ou acções poluentes, permitindo responder de uma forma rápida e eficaz às potenciais situações de calamidade.
 
No âmbito das atribuições do Instituto de Socorros a Náufragos, solidificaram-se parcerias com entidades públicas e privadas, que têm constituído uma mais-valia inestimável na assistência a banhistas. Este sistema, dirigido operacionalmente pelas Capitanias, nas áreas de jurisdição marítima, numa relação de proximidade com as praias da sua região, tem mostrado ser um modelo de elevado sucesso que salva centenas de pessoas todos os anos. Uma das iniciativas mais recentes, o projecto “surf salva”, visa integrar, nas capacidades do sistema de assistência a banhistas, uma grande percentagem dos surfistas que frequentam a nossas praias, possibilitando desta forma o seu contributo cívico para uma missão de todos nós, o de salvar vidas humanas.
 
Mas a acção da Marinha, na área não militar, não se cinge às actividades desenvolvidas em apoio da estrutura da Autoridade Marítima Nacional. É o caso do Instituto Hidrográfico que efectuou levantamentos hidrográficos, produziu nova cartografia náutica e recolheu dados fundamentais para conhecer o nosso Mar. Ainda nesta área, desenvolvemos novos produtos quer para apoio às operações militares e à Autoridade Marítima, quer para apoio aos que andam no mar, em trabalho ou em lazer, de que são exemplos os projectos “Qual é a tua onda?” e METOCMIL.
 
Na área cultural desenvolvemos um conjunto alargado de actividades, ligadas à história, às ciências, e às tecnologias navais, como exposições, palestras, seminários e edição de obras.
 
E ainda, naquela que é porventura uma das mais nobres missões que realizamos, a salvaguarda da vida humana no mar, conseguimos manter uma taxa de sucesso do Serviço Busca e Salvamento Marítimo, ao nível das melhores do mundo, o que nos enche de orgulho e confirma a eficiência e eficácia do emprego de capacidades militares em acções não militares, neste caso, no âmbito do Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo, na dependência de Vossa Excelência.
 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Fizemos com esforço, dedicação, empenho e sentido de missão, tudo o que nos foi pedido, mesmo com elevado sacrifício pessoal. Fizemo-lo porque os Portugueses e Portugal o merecem, e continuamos prontos para dar o nosso melhor no cumprimento da nossa missão.
 
Mas hoje para poder afirmar que cumprimos a nossa missão, tivemos que tomar opções difíceis, canalizando os poucos recursos disponíveis para onde eles eram primordiais, o que obrigou a que durante o ano transacto apenas se tenham efectuado as acções de manutenção estritamente necessárias.

Porém, ao dizê-lo, quero aqui assegurar que nenhum meio foi empenhado sem cumprir com as elementares regras de segurança, embora também deva referir que as horas de navegação atribuídas ao treino continuam em níveis insuficientes, originando deficits na prontidão operacional, que espero em breve poder melhorar.
 
Foi bem ciente destas dificuldades que elegi como lema para o meu mandato a REESTRUTURAÇÃO, mas como referi no meu discurso de apresentação à Marinha, reestruturar não deve ser entendido como “simplesmente mudar”, de forma avulsa, baseada em preconceitos, ou só porque está na moda.
 
Desde logo a reestruturação da Marinha é determinada pelo processo de reestruturação da defesa nacional e das Forças Armadas, designado por Reforma «Defesa 2020», que vem impor a necessidade de ajustar a estrutura, a organização e os meios aos compromissos orçamentais definidos. Entre outros aspectos, a «Defesa 2020» vem redimensionar o efectivo das Forças Armadas, pretende melhorar os rácios de despesa entre as componentes de pessoal, de operação & manutenção e de investimento, e define 1,1% do Produto Interno Bruto como compromisso orçamental estável para a Defesa Nacional.
 
Neste quadro, é aceitável antecipar que o orçamento anual para a Marinha possa estabilizar num valor de referência da ordem dos 500M€.
 
Baseado nestes dados de planeamento, superiormente definidos, importa saber como vamos obter o melhor proveito dos recursos que temos disponíveis.
 
Primariamente convém efectuar uma análise da envolvente que nos rodeia, identificando oportunidades, desafios, potencialidades e vulnerabilidades.
 
Como oportunidades, relevo, a título de exemplo, a manutenção e, se possível, o incremento das relações bilaterais e da participação de Portugal nas Alianças e Organizações Internacionais e a recente aprovação da nova Estratégia Nacional para o Mar que pode criar espaço para se tirar partido de uma efectiva capacidade de acção centrada na multidisciplinaridade e na cooperação interagência.
 
Como desafios não posso deixar de referir as limitações financeiras do País, as tensões regionais, as migrações em massa, a pirataria marítima e, mais recentemente, a degradação da situação internacional, que podem implicar uma maior necessidade de empenhamento dos meios da Marinha.
 
No entanto, a Marinha tem potencialidades que importa explorar, desde logo, a utilização das suas capacidades em actividades de natureza militar e não militar, que permite maximizar a eficiência no aproveitamento dos recursos do País para a acção do Estado no Mar. De relevar também o sistema de formação e treino da Marinha, o qual permite valorizar os seus recursos humanos, constituindo-se como um potenciador do recrutamento e da retenção.
 
Potencialidades estas que esperamos serem suficientes para ultrapassar as vulnerabilidades, das quais realço o envelhecimento da esquadra, que se reflecte na redução da capacidade operacional.

Neste ambiente que acabei de descrever temos de saber tirar o maior partido daquilo que são as nossas potencialidades intrínsecas e explorar todas as oportunidades em que tais características possam ser relevadas, criando desta forma valor e contribuindo para que Portugal possa usar o Mar, nesta que é a nossa missão.
 
Mas também sabemos que uma reestruturação não se faz em poucos dias, faz-se em anos. Porém a Marinha não pode esperar tanto tempo, e a curto prazo é imperioso substituir os meios que estão no fim da sua vida operacional, retomando os programas de reequipamento da esquadra, designadamente, a construção dos Navios de Patrulha Oceânica e das Lanchas de Fiscalização Costeira. Porém, como é sabido, a construção naval é lenta e dispendiosa e por isso também equacionamos a eventual aquisição de navios usados, que nos garantam 10 a 15 anos de operação, e assim suprir a lacuna de meios até que as novas construções estejam prontas.
Importa também, a curto prazo, colmatar o défice de manutenção dos meios navais e retomar os níveis de treino, para garantir adequados níveis de operacionalidade.
 
Para contribuir para que o País use o Mar é necessário que a Marinha seja dotada de uma organização ágil e flexível, esteja equipada com meios modernos e tecnologicamente evoluídos, como acabei de referir, mas acima de tudo que disponha de pessoas qualificadas, bem treinadas e altamente motivadas.
 
Neste âmbito importa sublinhar que todos nós abraçámos esta profissão de corpo e alma, aceitando de bom grado as limitações que a condição militar nos impõe. Asseguramos uma prontidão imediata, mantemos uma disponibilidade total, impomos sacrifícios adicionais às nossas famílias, estamos preparados para, se necessário, sacrificar a nossa vida, pelo nosso País, que jurámos defender. Somos por isso diferentes, nem melhores, nem piores, simplesmente diferentes e é essa diferença que importa acautelar, porque só assim conseguimos ter uma guarnição coesa e motivada. 

 
Militares, Militarizados e Civis da Marinha,
 
Como acabei de referir vivemos circunstâncias excepcionais, mas neste contexto temos de saber manter o rumo. Assim, aos órgãos de comando, direcção e administração importa garantir a eficiente gestão dos recursos, cumprir e garantir a conformidade regulamentar das decisões e das acções, e zelar pela sua justeza, imparcialidade e coerência.
Aos militares, militarizados e civis, individualmente, compete manter um exigente padrão de comportamento, consubstanciado na disciplina, no empenho no cumprimento da missão, na dignidade de carácter, na honestidade, no respeito e na seriedade.
 
A atitude que se exige a todos os servidores da Marinha, exerçam eles funções de cariz militar ou não militar, radica num quadro de valores que ajudam a reconhecer a Marinha como uma referência no «ser» e no «estar», e constitui-se como uma característica identitária própria da nossa instituição.
 
Por isso exorto-vos a manter a coesão, entre todos os que fazem uso do botão de âncora, e a defender os valores que nos caracterizam, sabendo que como vosso Comandante estarei sempre atento aos vossos anseios. 
 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
 
A história da Marinha confunde-se com a história de Portugal, cruzamos os mares há séculos, demos novos mundos ao mundo, transformámos “tormentas” em “boa esperança”, e levámos o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo.
 
Abnegadamente cumprimos as missões que nos são atribuídas, com brio, dedicação e espírito de bem servir e assim continuaremos a fazê-lo.
 
Os homens e as mulheres, que orgulhosamente comando, são de uma estirpe única porque forjamos o nosso «ser» e o nosso «estar» no Mar, e por isso continuaremos, na senda dos nossos antecessores, mesmo perante as adversidades que se nos colocam, a assegurar que a Marinha continua a defender os interesses de Portugal no Mar.
 
Disse
Luís Manuel Fourneaux Macieira Fragoso
                 Almirante

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