O objectivo era derrotar o governo. Em Setembro de 1936, um grupo de marinheiros da Organização Revolucionária da Armada — criada pelo PCP para lutar contra o fascismo — dava início a uma revolta juntamente com a tripulação de dois navios de guerra: o contratorpedeiro “Dão” e o Aviso de 1.ª Classe “Afonso de Albuquerque”. Faltaram apoios na capital e, por isso, o plano fracassou. As duas embarcações tentaram então fugir para Espanha, onde se iriam juntar à tropas da República, mas foram ambas atingidas ainda no rio Tejo pela artilharia disparada a partir de Oeiras, fiel a Salazar.
Os tiros de canhão, de 152 mm, foram os últimos disparos em fogo real do Regimento de Artilharia da Costa, composto por oito complexos bélicos instalados na zona de Lisboa e Setúbal. O objectivo era proteger os portos de mar e impedir uma possível invasão naval. Na mira dos modernos canhões Vickers, os dois navios ficaram à mercê do fogo pesado: seis marinheiros morreram, os restantes ergueram uma bandeira branca em sinal de rendição.
A história, contada no blogue “Operacional“, serve de pretexto a um conjunto de fotografias que mostra como estão actualmente os vários complexos militares. Depois de terem sido desactivados em 1998, pelo menos quatro das oito infraestruturas estão ao abandono. No Outão, por exemplo, onde estava instalada a 7ª Bateria, na Serra da Arrábida, sobram hoje em dia pouco mais do que alguns edifícios esventrados e vandalizados: há graffitis coloridos em quase todas as paredes. Mas as peças de artilharia pesada ainda lá estão, apontadas ao Atlântico. Uma herança ferrugenta e imponente, que em tempos albergou dezenas de militares portugueses.
Equipados com armamento pesado, o poder de fogo era tal que a rádio nacional emitia um aviso sempre que os canhões eram disparados. O objectivo era prevenir a população que morava nas imediações destes complexos para que abrisse as janelas. A onda de choque era tão violenta que partia os vidros das casas à volta. Aliás, uma parte destas estruturas militares deixaram de ser utilizadas em exercícios graças as casas que nasceram em redor.
Distribuídas na zona de Lisboa e de Setúbal, o Regimento de Artilharia da Costa incluía, a norte do Tejo, as baterias de Alcabideche, Parede, Lage e Forte do Bom Sucesso; enquanto que a sul erguiam-se as de Raposeira, na Trafaria, a da Fonte da Telha, Outão, na Serra da Arrábida, e a de Albarquel.
No complexo do Outão, que está acessível a qualquer pessoa que se aventure pelas curvas da Serra da Arrábida, ainda existem os três canhões apontados ao mar, que tinham um alcance médio entre 10 a 20 quilómetros. Também é possível ver a casa da guarda, a residência de oficiais, a caserna, a oficina, o depósito de água e as edificações de apoio directo à bateria. A sua construção foi iniciada em 1944 e ficou operacional dez anos depois.
Não muito longe dali fica a 8.ª Bateria de Albarquel. Os dois complexos estão ligados por uma rede de túneis, que também foram abandonados Existe até um vídeo no YouTube onde se podem ver dois homens a fazerem este percurso em motos de cross. Situada no morro contiguo à fortaleza de Albarquel, com uma localização privilegiada sobre a foz do rio Sado, junto à praia de Albarquel, no concelho de Setúbal e da região turística da Costa Azul. Segundo o blog Oliraf, logo à entrada existe uma pequena casa da guarda em ruínas.
“Na primeira metade do século XX foi erguida, em 1939, no morro por detrás do forte de Albarquel, uma fortificação subterrânea acasamatada, artilhada por três canhões Krupp CTR de 150 mm, de origem alemã, e guarnecida por cerca de 30 homens”, refere o blogue, adiantando que as únicas partes visíveis à superfície são as peças de artilharia. Os militares eram conhecidos por “toupeiras” porque a vida era passada numa rede de galerias subterrâneas e túneis de acesso às baterias, camufladas entre a vegetação.
Também a Direcção-Geral do Património Cultural faz referência à bateria de Albarquel, cuja arquitectura militar data do século XX: situada num morro “com dispositivo de camuflagem” é composta por “três peças fixas sobre plataformas em socalcos”. A página refere ainda como se faz o acesso a esta infraestrutura.
A Associação de Turismo Militar Português (ATMPT), cuja missão passa pelo desenvolvimento deste tipo de turismo em Portugal, assim como a sua promoção e preservação do património histórico e militar português, aponta o dedo à tutela e à dificuldade de alienação das estruturas abandonadas em território nacional. “O país está geneticamente abandonado”, começa por dizer Álvaro Covões, presidente da ATMPT.
“Os políticos e funcionários acham-se donos da propriedade de todos e como não têm dinheiro para a manter também não fazem parcerias com privados para utilizar os espaços mantendo o património”, acusa Covões.
A 5.ª Bateria, situada na Trafaria, transformou-se num destino de passeio ao domingo. Está totalmente abandonada, mas as pintas azuis e vermelhas nas paredes indicam que agora a batalha é outra: haverá melhor cenário do que este para os amantes de paint ball? Situada no cimo do monte da Raposeira, entre a Trafaria e a Costa da Caparica, a 5.ª Bateria foi abandonada com a extinção do Regimento de Artilharia da Costa. O cenário remete para um qualquer filme da Segunda Guerra Mundial. O armamento pesado mantém-se firme, cimentado no chão, mas os pequenos edifícios guardam apenas as paredes e alguns telhados: tudo o resto foi arrancado, vandalizado e grafitado.
“O que aconteceu à armaria? Onde estão os espólios militares de Portugal?”, pergunta o autor do blogue “ruinarte”, num extenso trabalho fotográfico sobre a zona. Instalado no meio da vegetação, dissimulado entre o pinhal, o contraste com as cores vivas dos graffitis dá ainda mais destaque a um património esquecido. As bocas dos canhões permanecem quase todas erguidas, possivelmente por causa do ferro pesado que é difícil de dobrar ou roubar. Mas todos eles sucumbiram ao aerossol.
Contactado pela NiT, fonte oficial do Ministério da Defesa Nacional não prestou qualquer esclarecimento até ao fecho deste artigo. (Fonte;NIT)
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