17 de setembro de 2009

Entrevista com o Comandante da Base Aérea n.º 4

Luís António Ruívo, Comandante da Base Aérea n.º 4, em entrevista ao Azores Digital, falou da importância da Força Aérea Portuguesa nas Lajes e nos Açores, nomeadamente na Busca e Salvamento, quer no mar, quer em terra.Na entrevista dada a este OCS, o Coronel Piloto-aviador Luís Ruívo, descreve uma perigosa missão levada a cabo em Abril de 2003 ao largo ao largo da ilha do Pico.Fala dos meios de Busca e Salvamento nos Açores, da imensa área geográfica que o Centro Coordenador de Busca e Salvamento das Lajes tem a seu cargo.

Azores Digital: "Nós Outros, Cuja Fama tanto Voa", verso camoniano e divisa existente no escudo heráldico da Base Aérea n.º 4, espelha o valoroso serviço que a Força Aérea Portuguesa tem vindo a prestar ao longo de mais seis décadas nos Açores. Qual é a missão principal da Força Área na Região?

A Missão principal da Força Aérea na Região Autónoma dos Açores é a execução da actividade aérea associada às directivas e aos planos superiormente aprovados, para a sua área de responsabilidade.
Neste enquadramento, a Força Aérea executa missões de interesse público, designadamente de Busca e Salvamento, no âmbito do Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Aéreo, evacuações sanitárias inter-ilhas e apoio às populações em situações de catástrofes naturais, de um modo supletivo e coordenado com a Protecção Civil.
A Força Aérea, detém no seu dispositivo de forças, para os Açores, o Comando Aéreo dos Açores e na sua dependência a Base Aérea n.º 4, a qual tem tido, e continuará a ter, uma importância estratégica para as Forças Armadas Americanas ao servir de ponto de apoio no meio do Oceano Atlântico às aeronaves que têm vindo a participar em operações militares.
Ponho em evidência o apoio prestado ao elevado número de aeronaves civis que utilizam a Base Aérea n.º 4, como aeródromo alternante, em situações de emergência médica ou falhas mecânicas. Em 2008 foram registadas 48 situações.
Porventura menos conhecido será que a Base Aérea n.º 4 constitui um aeródromo alternante ao vaivém espacial da NASA. De facto, sempre que acontece um lançamento, estamos prontos para receber esta nave, se porventura algo se passar menos bem à descolagem, e a NASA optar pela aterragem nas Lajes.
Noutro âmbito, gostaria de referir que o Centro de Meteorologia da Base Aérea n.º 4 lança diariamente um balão a fim de recolher dados atmosféricos em altitude, que são enviados para o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, e que servem para validar os modelos matemáticos de previsão meteorológicos. Este lançamento só é realizado em três locais, Base Aérea n.º 4, um local na Madeira e outro no Continente.

Azores Digital: Propriamente, o que é o Centro Coordenador de Busca e Salvamento das Lajes? Qual é a área geográfica que patrulha?

O Centro Coordenador de Busca e Salvamento das Lajes é um órgão de controlo táctico dos meios aéreos envolvidos em acções de Busca e Salvamento na Região de Informação de Voo de Santa Maria. Deste modo, o Centro coordena e controla as acções de Busca e Salvamento a aviões em emergência ou acidentados, dentro da área de responsabilidade, coopera com o Centro de Busca e Salvamento Marítimo de Ponta Delgada em missões de Busca e Salvamento a navios. O Centro coopera, também, com os Centros que possuem áreas adjacentes e.g. Cabo Verde, Canárias, Nova Iorque, quando for solicitado, a fim de recuperar os sobreviventes nas melhores condições e o mais rapidamente possível.
O Centro Coordenador de Busca e Salvamento das Lajes é responsável por uma imensa área atlântica, cerca de 5 milhões de km quadrados de oceano, o que representa 52 vezes o Território Continental Português.

Azores Digital: Após a entrada de um determinado pedido de socorro, por exemplo, de uma embarcação em perigo de afundamento ao largo dos Açores, como é que decorrem os preparativos de Busca e Salvamento ("SAR -Search and Rescue"), para essa missão?

Após a recepção de um pedido de socorro no Centro de Busca e Salvamento das Lajes, iniciam-se os preparativos para a Missão, que constam essencialmente na identificação das coordenadas geográficas em que se encontra a embarcação, distância à Base, número de náufragos, tamanho, mastros e obstáculos. As nossas tripulações, que se encontram em prontidão de 30 minutos, iniciam o planeamento do voo e ultimam os preparativos da aeronave. Toda a tripulação participa! Se a distância ao local do naufrágio for para além dos 150 km da Base ou um ponto de aterragem é também activado o Aviocar que faz a busca da embarcação e o acompanhamento do helicóptero por razões de segurança.

Azores Digital: Para cada missão, seja de evacuação terrestre, seja de Busca e Salvamento no mar, seja de apoio logístico, existem diferentes procedimentos?

A busca e salvamento é uma capacidade militar essencial dado que permite, em caso de acidente, resgatar e transportar para local seguro, de uma forma expedita, as tripulações das aeronaves que operam, especialmente em ambiente marítimo, elevando assim o seu moral. O Treino, a Doutrina, o Material, o Pessoal e a Organização, elementos que caracterizam esta, e qualquer capacidade militar, mantêm-se independentemente da missão de salvamento ocorrer em terra ou no mar. Todavia, missões com características diferentes, como são no caso das missões de apoio logístico, transporte de Pessoal, os procedimentos variam. Enquanto que no apoio logístico e no transporte de Pessoal a tripulação pode ser constituída por 2 pilotos e um mecânico de voo, nos salvamentos a tripulação é constituída por 5 elementos, que para além dos indicados, inclui um operador de guincho e um recuperador salvador. Os princípios e as técnicas de pilotagem, essas não variam, seja qual for a Missão.

Azores Digital: No filme "O Guardião", película centrada em dois nadadores salvadores da Guarda Costeira América que, embora fantasiada, descreve de alguma forma, as dificuldades e os perigos das missões de busca e salvamento preconizadas no mar, pode descrever uma missão de Busca e Salvamento levada a efeito pela Força Área Portuguesa, por exemplo ao largo dos Açores?

Em 12 de Abril de 2003, o arquipélago estava sob a influência de uma baixa pressão, com ventos de 120 km por hora e ondas de 12 metros. Um iate, que se dirigia da ilha Martinica para a Europa, com três pessoas a bordo, encontrava-se com o mastro partido e à deriva ao largo da ilha do Pico. Quando as condições meteorológicas, essencialmente a intensidade do vento, atingiu o valor que permite ao Puma por os motores em marcha, cerca de 80 km por hora, deu-se início à missão. Desta vez o Puma partiu só, dado que o vento estava para além do limite permitido para descolagem do Aviocar, sublinha-se que todos os aeroportos estavam encerrados. Chegados ao local, provável, do naufrágio, e ao fim de cerca de 25 minutos, foi possível reconhecer, a silhueta da embarcação à deriva, entre as vagas que a engoliam. Iniciou-se o salvamento. Após 3 tentativas e devido ao mar alteroso e aos obstáculos do iate, foi reconhecido que para realizar a recuperação tinham os náufragos saltar para o mar e daí serem resgatados.
Assim se procedeu. Todavia, durante o segundo içamento, o recuperador salvador, magoou-se, fortemente, impedindo de efectuar o último salvamento. Não havendo forma de comunicar com o terceiro náufrago, este sem ter conhecimento que não podia ser ajudado na recuperação, saltou para o mar. Nestas situações só a grande disciplina de tripulação e o treino duro e aturado, cumprido com determinação, permite reagir. Assim, foi realizado uma nova descida do guincho, desta vez sem recuperador salvador. Deus quis que tudo corresse bem e que à primeira tentativa se resgatasse mais uma vida. Restava o regresso à Base após 4 horas e trinta de voo e o doce sabor do Dever cumprido. Bem hajam.

Azores Digital: Quando uma aeronave regressa à base, após uma missão por vezes difícil, o que sente, tendo em conta que é Comandante da Base Área e tendo também em conta que é piloto de helicópteros e conhece tão bem os céus açorianos?

De facto foi nesta Ilha Terceira de Jesus Cristo que tive o privilégio de crescer como aviador militar operacional, em helicóptero Puma, na muito nobre arte da busca e salvamento, o que me permitiu realizar muitas horas de voo e ganhar muita experiência.Hoje, dado que desempenho funções como comandante, o tempo que me resta para voar é muito limitado, todavia é com muito agrado e alguma emoção que acompanho o planeamento e celebro o regresso das tripulações, especialmente quando as missões decorrem muito longe, é importante referir que temos feito evacuações a navios que se encontram a cerca de 400 km para Oeste das Flores i.e. 800 km da Base, e a várias horas de voo.

Azores Digital: Futuramente, a missão da Força Aérea vai continuar a ser uma mais valia para as populações açorianas?

Sim, sem dúvida. No ano de 2008 foram realizadas 118 missões operacionais e transportados 153 doentes nos céus dos Açores, números que revelam que continuamos, com determinação, a voar rumo à causa que orgulhosamente abraçamos, Servir.Estou certo que a Missão da Força Aérea continuará a ser uma mais valia para as populações Açorianas fazendo jus ao lema “Para Que Outros Vivam”.

Fonte: Jornal da Praia

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