24 de maio de 2011

Discurso de S. Exa. O Chefe do Estado-Maior da Armada por ocasião do Dia da Marinha

Discurso de S. Exa. O Chefe do Estado-Maior da Armada por ocasião do Dia da Marinha


Senhor Ministro da Defesa Nacional
Senhora Presidente da Câmara Municipal de Setúbal
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar
Senhor Secretário de Estado dos Transportes
Senhor Secretário Geral do Sistema de Segurança Interna
Excelência Reverendíssima Bispo de Setúbal
Ilustres Autoridades
Distintos convidados

Quero começar este meu primeiro discurso num Dia da Marinha, acentuando o orgulho que sinto em comandar os milhares de militares, militarizados e civis que – com abnegação, coragem e competência – servem o País nesta briosa instituição.

É, pois, com subida honra que aqui estou a celebrar a memória de uma viagem que – há 513 anos – mudou o Mundo, servindo de mote às nossas celebrações. De facto, em 1498 Vasco da Gama chegou a Calecute, culminando um esforço de muitas décadas e assinalando o pioneirismo português na globalização.

Festejamos hoje essa epopeia e fazemo-lo novamente em Setúbal – terra que, desde há muitos séculos, atraiu gentes que fizeram do mar o seu principal modo de vida. Aqui estivemos em 1984 e em 1993, e voltamos agora a esta hospitaleira cidade que a memória colectiva da Marinha recorda por incontáveis visitas e pela beleza deste estuário natural, que é um verdadeiro porto de abrigo para todos os marinheiros.

Agradeço, por isso, o apoio e entusiasmo que desde a primeira hora recebemos da Senhora Presidente da Câmara Municipal de Setúbal e também das demais entidades que mostraram inexcedível vontade em nos apoiar nesta iniciativa de trazer a Marinha a Setúbal e aos setubalenses.

Senhor Ministro da Defesa Nacional,

Aceitou V. Ex.ª presidir a esta cerimónia, o que muito nos honra, constituindo um importante estímulo para todos nós. Interpreto a sua presença como um sinal de apoio institucional ao prosseguimento das grandes linhas de rumo traçadas para a Marinha.

Agradeço, também, a todos a disponibilidade que tiveram para estar connosco nesta cerimónia, e envio uma saudação calorosa para aqueles que, envergando o uniforme da Marinha, cumprem a sua faina longe de Portugal. Lembro, particularmente, a guarnição da fragata Vasco da Gama, bem como os militares portugueses que integram o estado-maior internacional embarcado nesse navio, que comanda a força da União Europeia empenhada no combate à pirataria ao largo da Somália. Recordo, também, o pessoal envolvido nos projectos de Cooperação Técnico-Militar, em Países de Língua Portuguesa, e os militares da Marinha que apoiam a formação do Exército Nacional Afegão.

Todavia, além destas missões internacionais, a Marinha possui um teatro de operações permanente: os espaços marítimos sob soberania, jurisdição ou responsabilidade nacional. Neles temos, a cada momento, pelo menos 9 navios com missão atribuída, assegurando, com sobriedade e discrição, tarefas essencialmente ligadas à vigilância e controlo dos espaços marítimos nacionais e à nobre tarefa de salvar vidas no mar. Para as guarnições desses navios, envio também uma forte palavra de estímulo, pela forma abnegada e rigorosa com que cumprem a sua missão. Recordo, ainda, todo o pessoal que integra o dispositivo de cerca de 750 militares, militarizados e civis da Marinha permanente e diariamente em acção para garantir o uso do mar pelos portugueses, incluindo o pessoal da Polícia Marítima e todos os que prestam serviço no Sistema da Autoridade Marítima.


Senhores Almirantes ex-Chefes de Estado-Maior da Armada
Senhor General Chefe da Casa Militar de Sua Ex.ª o Presidente da República
Senhores Generais representantes dos Chefes de Estado-Maior
Senhores Directores-Gerais do Ministério da Defesa Nacional
Setubalenses e Marinheiros,

No mundo globalizado dos nossos dias, o mar é o elemento que verdadeiramente distingue Portugal das outras nações, porque anima e sustenta a mentalidade e as atitudes colectivas que estão na nossa génese como povo e como Estado. Nesse sentido, permitam-me que recorde alguns dados que ilustram a nossa ligação ao mar:

• Os espaços marítimos sob jurisdição ou soberania nacional ocupam uma área superior a 1,7 milhões de km2, correspondente a quase 19 vezes a área terrestre de Portugal;
• A área de fundos marinhos sob soberania nacional poderá atingir mais de 3,5 milhões de km2, com a extensão da plataforma continental portuguesa;
• Aproximadamente 60% das nossas trocas comerciais com o exterior processam-se por via marítima, sendo também por mar que recebemos cerca de 70% das importações nacionais, incluindo a totalidade do petróleo e cerca de 2/3 do gás natural que consumimos;
• Cerca de 90% dos turistas que nos visitam procuram a faixa costeira e actividades de lazer de âmbito marítimo.

Neste enquadramento, de uma nação fortemente marcada pela maritimidade, Portugal necessita de uma Marinha capaz de desempenhar três funções fundamentais:
• Colaboração na defesa militar e no apoio à política externa;
• Garantia da segurança e autoridade do Estado no mar; e
• Apoio ao desenvolvimento, económico, científico e cultural do País.

Nesse sentido, procuramos, diariamente, cumprir de forma pronta e eficaz as tarefas associadas a essas funções, tendo em vista o superior objectivo de defender os interesses nacionais, no mar e a partir do mar.

E fazemo-lo com uma postura estratégica orientada por três paradigmas da transformação, que constituem as referências doutrinárias fundamentais para a permanente adaptação da Marinha nos domínios genético, estrutural e operacional. Permitam-me pois que faça um ponto de situação em cada um desses três domínios – aquilo a que, na gíria naval, designamos como um “ponto ao meio dia”.

No domínio genético, em que o nosso objectivo estratégico é o de uma “Marinha Equilibrada”, quero começar por abordar alguns aspectos relacionados com o pessoal, para depois passar ao material.

Na área do pessoal, enfrentamos desafios de monta ditados pelas circunstâncias em que o País se encontra, que levaram à tomada de medidas que muito nos têm condicionado, como as reduções de efectivos e as limitações nas promoções. A Marinha está perfeitamente ciente das dificuldades do País e não pode, obviamente, alhear-se dessa realidade. Todavia, isso não ameniza as dificuldades que ambas as medidas têm provocado e vão continuar a provocar, condicionando o cumprimento cabal de todas as missões e impondo dificuldades à gestão dos Recursos Humanos e ao desenvolvimento harmonioso das carreiras, interferindo inclusivamente na especificidade da Condição Militar e mesmo nas competências dos Chefes dos ramos. Por isso, temos estudado e avaliado, de forma criativa, um conjunto de iniciativas destinadas a mitigar os efeitos das reduções de efectivos e das limitações nas promoções. Contudo, o seu prolongamento no tempo será, certamente, insustentável, nomeadamente em instituições fortemente baseadas na hierarquia, como acontece na Marinha.

Já no âmbito da saúde – que é uma preocupação de todos – gostaria apenas de referir que a Marinha continuará a colaborar com empenho no processo evolutivo de edificação do Hospital das Forças Armadas.
Todavia, não poderá ser dispensada a capacidade própria no campo da medicina ocupacional e operacional, designadamente através do Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica e respectivo Quadro de Apoio Médico-Cirúrgico. Trata-se de uma estrutura diferenciada do sistema de saúde naval, essencial à manutenção das capacidades de guerra de minas e submarina, constituindo-se, como tal, num pólo imprescindível para o apoio das suas actividades operacionais e específicas da Marinha.

No que respeita ao material, em primeiro lugar gostaria de convosco partilhar o enorme orgulho da Marinha pela recepção, no último ano, de importantes meios navais novos, entre os quais uma Fragata, dois submarinos e um Navio de Patrulha Oceânico, navios que nos permitirão cumprir melhor a nossa missão no mar. Contudo, não posso escamotear as crescentes dificuldades que temos sentido devido ao arrastamento de alguns programas que visam a substituição de meios navais de capital importância para a manutenção de um dispositivo eficiente e eficaz. Refiro-me, em particular, à concretização do programa dos Navios de Patrulha Oceânicos e ao inicio da construção das Lanchas de Fiscalização Costeiras. Os navios que vão substituir – corvetas e patrulhas – já ultrapassaram largamente o tempo de vida útil originariamente previsto e o seu nível de emprego operacional já está aquém das necessidades do País. Urge pois acelerar os programas dos Navios de Patrulha Oceânicos e das Lanchas de Fiscalização Costeiras, para que assim se possa continuar a exercer a soberania nos vastos espaços marítimos nacionais. Este é, pois, um momento chave da renovação dos nossos meios navais, que não poderá ser condicionado pelo actual quadro de restrições orçamentais.

A Marinha está sempre disponível para apoiar a indústria naval portuguesa, designadamente no caso dos programas de construção naval que referi, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e, no respeitante à reparação naval, o Arsenal do Alfeite.

Aproveito, aliás, esta oportunidade para, com grato prazer, dar público conhecimento que um dos futuros Navios de Patrulha Oceânicos será baptizado com o nome “Setúbal”, como homenagem sincera às gentes desta cidade, que sempre acolheram a sua Marinha com um carinho muito especial.
A redução do investimento obrigará, por certo, a uma nova calendarização de determinados projectos, mas o prosseguimento da regeneração da esquadra é um imperativo nacional!

No domínio estrutural, o nosso objectivo estratégico é o de uma “Marinha Optimizada”, o que equivale a uma organização capaz de maximizar a articulação dos seus meios, a partilha de informação e a racionalização de processos, minimizando os custos associados ao seu funcionamento. Nesse âmbito, estamos empenhados em várias iniciativas com o objectivo de conseguir uma gestão mais eficaz, mais eficiente e, sobretudo, mais económica, de que relevo:
Em primeiro lugar, a consolidação da implementação do sistema de gestão estratégica, estendendo-o a todos os sectores da Marinha, de forma a incrementar o controlo da execução de actividades, processo que já se encontra em curso e em fase avançada.
Em segundo lugar, o estabelecimento da nova Inspecção-Geral da Marinha, criada através da LOMAR de 2009, dotando-a de uma capacidade funcional inicial já a partir do mês de Julho, de forma a contribuir para melhorar as práticas institucionais e para corrigir eventuais disfunções internas.

No domínio operacional, o nosso objectivo estratégico é o prosseguir do conceito da “Marinha de Duplo Uso”, pronta para realizar, simultaneamente, uma actuação militar no plano da defesa militar e do apoio à política externa, e uma actuação não militar, centrada na segurança e autoridade do Estado no mar e no apoio ao desenvolvimento económico, científico e cultural. A abrangência de tarefas cometidas a uma Marinha com estas características e a importância crescente dos assuntos marítimos, tanto para a prosperidade global como para a portuguesa, têm estado na origem do significativo empenhamento operacional das nossas unidades navais, de fuzileiros e de mergulhadores, bem como dos meios da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, do Comando-Geral da Polícia Marítima e do Instituto Hidrográfico.

A Marinha de “duplo-uso” tem como ponto fundamental o desempenho de funções típicas de Guardas Costeiras, função que a Marinha desempenha desde o século XIX, o que tem permitido uma assinalável economia de recursos humanos e financeiros, que dispensam a criação de estruturas duplicadoras, incomportáveis para o País.

Ainda no domínio operacional, gostaria de destacar alguns dos empenhamentos actuais e futuros:
• Estamos – presentemente e por um período de 4 meses – a comandar a operação naval da União Europeia na costa da Somália – OPERAÇÃO ATALANTA, visando, essencialmente, proteger os navios do Programa Alimentar Mundial e combater a pirataria;
• Vamos integrar, em Setembro, a operação OCEAN SHIELD da NATO, também na costa somali e com propósitos semelhantes à operação da União Europeia que já referi;
• Continuamos envolvidos na campanha relativa à extensão da nossa plataforma continental, através do empenhamento activo e dedicado dos nossos navios hidrográficos;
• Vamos enviar a Sagres a Cabo Verde, no quadro da Iniciativa Mar Aberto, na qual procuramos continuar a pôr em prática um modelo de cooperação inovador, indo ao encontro das necessidades dos Países de Língua Portuguesa, no ambiente marítimo;
• Finalmente, no âmbito das competências próprias que me estão atribuídas como Autoridade Marítima Nacional, continuamos empenhados em prestar um serviço cada vez melhor a todos os navegantes e às comunidades ribeirinhas, colocando ao seu serviço todos os meios da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, com realce para as suas 28 capitanias espalhadas pelo continente e regiões autónomas.
Em época de restrições, este é um produto operacional que nos orgulha e nos motiva a continuar. Ele é a nossa razão de ser, pelo que tudo faremos para, sempre que possível, o incrementar.

Senhor Ministro da Defesa Nacional, Excelências,

Todas as iniciativas e os projectos que abordei, nos domínios genético, estrutural e operacional, visam a adequação contínua da Marinha aos requisitos impostos pela missão que nos está cometida. E, deixem-me dizer-vos, é uma missão enorme. No entanto, tudo pode ser enunciado de forma simples se se disser, apenas, que a nossa missão é contribuir para a defesa militar de Portugal, o apoio à política externa e a garantia do uso do mar.
Balizado por essa nobre missão, formulei, no início do meu mandato como Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, a minha visão para a Marinha: a de uma instituição indispensável para a acção do Estado no mar.
Uma Marinha que saiba, em tempo de grande exigência, assumir uma postura proactiva capaz de contribuir para dinamizar a acção do Estado Português no mar que é seu.

Uma Marinha que consiga, através de uma postura cooperativa determinada e determinante, promover a intervenção de todos os departamentos públicos com competências que se exercem no mar, bem como da sociedade civil em geral.
Uma Marinha que, por via da Autoridade Marítima, sendo mais abrangente do que resultaria das suas funções como ramo das Forças Armadas, continue alicerçada numa doutrina estratégica sólida e a conhecer sempre o melhor rumo para a permanente transformação numa instituição cada vez mais indispensável à acção do Estado no mar, garantindo com o uso multifacetado dos seus meios, a vigilância e a fiscalização, desde o litoral até ao limite das áreas de jurisdição. Nesta óptica, conforme refiro na minha Directiva de Política Naval, considero muito importante incrementar as acções que concorrem para a consolidação e a afirmação da Autoridade Marítima Nacional, dentro do seu quadro específico de competências.

A resposta a este alargado leque de atribuições no mar constitui, para nós, um desafio acrescido, tendo em consideração o papel que o mar pode – e deve – desempenhar no futuro de Portugal. Sendo o nosso factor físico com maior potencial de desenvolvimento, tem que ser encarado como um “mar de oportunidades”, nele se buscando uma opção de futuro que permita responder às apoquentações do presente.
Portugal só foi grande quando soube tirar partido do mar, com visão, planeamento estratégico e investimento! Saibamos fazê-lo outra vez, cientes de que a aposta no mar é uma aposta no nosso futuro e na nossa identidade!
O País pode contar com a sua Marinha para, no quadro das suas competências, contribuir para um efectivo regresso de Portugal ao mar, empenhando-se no cumprimento eficaz e eficiente de todas as tarefas que lhe forem cometidas. Muitas vezes longe da vista, mas sempre perto do sentir da nação!

Viva a Marinha! Viva Portugal!

José Carlos Torrado Saldanha Lopes,
Almirante”.

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