30 de janeiro de 2012

O último pombal militar

No amplo jardim do Quartel de Sapadores, em Lisboa, 25 pombos-correios enchem o recém-renovado pombal militar. É o único activo em Portugal e, por agora, apenas funciona por "razões históricas", explica o comandante do regimento de transmissões Bento Soares. No entanto, quem lida com estas aves garante que, "apesar de numa situação normal não terem valor operacional, em situação de catástrofe podem ser utilizados como mensageiros". Em Novembro de 2011 a China anunciou a criação do maior contingente militar do género, com dez mil pombos-correios em fase de treino, e outros países seguem o exemplo.

"Estes pombos têm capacidade para percorrer grandes distâncias e até de serem mais rápidos do que as actuais transmissões sem fios, sujeitas a interferências, em que 512 gigabytes demoram 20 horas a chegar ao destino. Os pombos-correios podem levar um chip na anilha, com mensagem encriptada, só acessível a quem saiba ler o código", diz.

Foi em Dezembro último que o pombal dos Sapadores voltou às funções para as quais nasceu em finais do séc. XIX. "Esta é a única unidade do exército português responsável pelos sistema de comunicações e transmissões e no historial das nossas instalações estava o antigo pombal militar de Lisboa, que desde 1959 deixou de funcionar para fins operacionais", frisa o comandante Bento Soares.

Neste momento, e porque o pombal é mantido sem orçamentos extras, são os cabos quarteleiros do regimento que asseguram a limpeza, alimentação e vacinação dos animais. Mas tempos houve em que o treino de pombos-correios para missões militares era intenso.

RESISTÊNCIA À FADIGA

Mais garbosos do que os pombos comuns, os que são destinados a ‘correio’ distinguem--se pela cor viva, porte garboso, resistência à fadiga e forte musculatura, que lhes permite percorrer distâncias de 120 quilómetros em apenas uma hora. Não espanta por isso que a sua utilização para fins militares tenha crescido em tempos de conflito, com especial incidência no século XIX, com as guerras franco-prussianas, e no início do séc. XX, durante as duas guerras mundiais.

Em Portugal, a utilização destas "mensagens aladas" para serviço de guerra surgiu em 1875, quando o columbófilo belga La Perre de Roo doou 40 pombos-correios. "O exército português preparou-se, organizou pombais militares, publicou doutrina, como o livro do capitão de Infantaria Bom de Sousa ‘Serviços dos Pombos-correios nos Exércitos em Campanha e seu Emprego no Recreio e Indústria Militar’, mas a sua utilização operacional foi reduzida, pois Portugal como país continental já estava formado", recorda o comandante Bento Soares.

A única vez que no País foram usados pombos-correios para fins de guerra foi durante a 1ª Guerra Mundial, para informar da detecção de submarinos alemães entre as ilhas da Madeira e Porto Santo, nota a Federação Portuguesa de Columbofilia.

Ainda assim, o investimento foi grande, dos vários pombais militares instalados pelo País. A criação de uma rede "era obrigatória para assegurar que a mensagem seguia. Pois os pombos têm de ser ‘aduzidos’ ao pombal de origem e aos outros onde vão entregar a mensagem", adianta o tenente-coronel Afonso, um dos responsáveis, a par do capitão Mateus, pela reinstalação do pombal no Quartel de Sapadores.

Columbófilo dedicado, o capitão Mateus lida com pombos-correios desde sempre. Na zona de Santarém, onde cresceu, este desporto "é comum e uma forma de ajudar a passar o tempo. Participava em concursos, dedicava cerca de duas horas por dia à limpeza, tratamentos e alimentação e apliquei esses conhecimentos aqui", diz, enquanto mostra os espaços diferenciados do Pombal Militar de Lisboa: um para casais e outro para os borrachos, mais novos.

Os 25 pombos-correios estão em fase de ‘adução’, ou seja de habituação ao espaço para depois serem largados. A falta de outro pombal militar pode dificultar a missão, mas a requisição civil a pombais privados – em Portugal há cerca de dois milhões de pombos-correios recenseados – é alternativa.

Tratar destes mensageiros exige saber e dedicação, diz o capitão Mateus. "Com o tempo alguns ficam de fora porque não chegam ao destino ou não cumprem a missão. É necessário ir seleccionando e cruzando com os que têm características ideais para pombo-correio".

REGRESSO AOS CÉUS

Aos 77 anos, Octávio Mesquita, engenheiro de telecomunicações reformado, mantém como passatempo a missão que nos anos de 1950 assumiu enquanto sargento miliciano. Era a época áurea da contra-espionagem e Portugal queria evitar que muita informação fosse "captada" por agentes infiltrados.

"Tive a sorte de ir para o batalhão de telegrafia e mantive a funcionar o pombal de Lisboa entre 1955-57. Fazíamos transmissões com ‘pombogramas’, em linha com os pombais militares de Évora, Coimbra e Viseu. Havia comunicações todas as semanas e treinávamos pombos que chegavam a percorrer 70 quilómetros. Depois, por ordens superiores e com mágoa, desactivei os pombais. Mas acredito que vamos voltar ao mesmo sistema", frisa. Portugal não possui um satélite, tem de alugar o serviço, e "ao primeiro entrave basta tirar energia aos satélites para ficarmos sem comunicações. Nesse caso", explica, "teremos de voltar aos sistemas antigos, pombos-correios, cães e estafetas".

Especialista em pombos-correios desde que o pai lhe ofereceu "o primeiro casal de raça belga", Octávio Mesquita mantém na sua casa de Coimbra pombais e criação de raças puras. "Possuo estirpes únicas, com registo e árvore genealógica. Só para ter uma ideia do que valem estes pombos, os primeiros da raça George Frabry comprados pelo Exército entre 1951 e 1954 custaram três mil escudos (cerca de mil euros). Mas, recentemente, um japonês pagou por um pombo desta estirpe o seu peso (cerca de 400 gramas) em ouro".

NOTAS

GUERRA

Em 1918, Portugal usou pombos-correios para informar a detecção de submarinos alemães entre a Madeira e o Porto Santo.

EXÉRCITO

Em 1957 foram extintos os pombais militares de Coimbra, Évora e Porto.

POMBAIS

Em 1889, a rede de pombais militares em Portugal tinha nove estabelecidos, e 13 em projecto. (Correio da Manhã)

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