3 de abril de 2010

Memórias da vida dos fuzileiros especiais na Guiné-Bissau

Partiram há 40 anos para uma das frentes da guerra em África, a Guiné. Estiveram em operações no Norte e Sul, no Leste e no Oeste. Hoje, idosos, não esquecem esses tempos de provação, combate e camaradagem.

Começávamos o dia às sete da manhã, a abrir fogo sobre as posições inimigas, todos os dias", recorda Sebastião Martins Colaço, fuzileiro especial, que cumpriu comissões de serviço na Guiné-Bissau entre 1964 e 1971. Viveu, por isso, a fase de transição do conflito entre a época de supremacia das forças portuguesas e o período em que o PAIGC se afirma no terreno.

Tropa de operações especiais, os fuzileiros percorreram todo o território guineense, em "golpes de mão e operações de contrapenetração", explica Serafim Lobato, segundo oficial do Destacamento de Fuzileiros Especiais 12 (DFE 12), que esteve no teatro de operações em 1970/1. Actuaram também no Senegal contra bases da guerrilha.

Numa dessas operações, o DFE 12 ocupa uma das principais bases da "Frente Norte" do PAIGC, a de Cumbamory, envolvendo-se numa longa troca de fogo, que se prolongou desde manhã ao meio da tarde, com pequenas interrupções. Durante esta operação, um dos efectivos do DFE 12, Manuel Galante Guerra detecta sob "um monte de pasto", capim e outra vegetação, aquilo que se vai revelar um importante depósito de armas e munições. Recorda o fuzileiro especial: "Esperámos pelo amanhecer para fazer o assalto, avançámos pela bolanha [curso de água], desdobrámos a fila indiana em linha quando o PAIGC nos começou a alvejar, mas estavam em inferioridade numérica e acabaram por bater em retirada ." É então que Galante Guerra, que fez duas comissões de serviço na Guiné entre 1967 e 1971, encontra "armas, granadas de mão e de armas sem recuo, uniformes, minas e metralhadoras", recorda.

A descoberta do fuzileiro revelou-se a mais importante captura de material de guerra ao inimigo no teatro guineense, mais de dez toneladas. Boa parte foi retirado debaixo de fogo da guerrilha que, entretanto, retomara o contacto, e o restante foi destruído no local.

Um sucesso operacional destes não era contudo suficiente para ofuscar a mudança qualitativa em curso no terreno. Longe vão os tempos em que bastava uma metralhadora pesada MG 42, "uma arma que nunca encravava", recorda Martins Colaço (conhecido entre os camaradas como Zé Grande), "varrer toda a zona" onde se emboscava o inimigo para assegurar a superioridade das forças portuguesas.

À época da "catana e do cahangulo", em que a guerrilha atacava e fugia, recorda José Raposo Martins, "passámos a ter um inimigo que nos fazia frente; só fugiam quando ouviam o barulho do helicanhão". À G3 do soldado português, a guerrilha responde com a AK 47; aos tiros de obuses, o PAIGC responde com os disparos dos Katiuskas, colocados do outro lado da fronteira. A única diferença é que o PAIGC lidava de "maneira diferente" com a situação, consoante tinha pela "tropa especial ou de quadrícula", conta Zé Grande.

Raposo Martins, que integrou em 1961 o Destacamento de Fuzileiros Especiais 1, passou pelos três teatros de operações - Angola, em 1961/3, várias comissões na Guiné, e Moçambique, em 1972/4.

Numa das comissões na Guiné, Raposo Martins esteve envolvido em múltiplas operações no Sul, zona de combates considerada "muito séria". "Estas eram áreas sob comando do Nino Vieira e de um nome mítico da guerrilha, o comandante Gazela, irmão de um dirigente do PAIGC, o Fidel Cabral de Almada."

Raposo Martins está no DFE 12 quando são atribuídas a esta unidade missões de tropa de quadrícula: patrulhas e vigilância das vias de comunicação. Está-se em 1971 e o fuzileiro especial constata que "há pessoal do PAIGC infiltrado nas milícias guineenses, na população de localidades como Teixeira Pinto", actual Canchungo.

É o momento de "crispação" entre o general Spínola e as forças especiais - Comandos e Fuzileiros - devido às missões de quadrícula que são forçadas a executar. No caso do DFE 12 este "fez operações de castigo em zona libertada", salienta Raposo Martins, por decisão do comando geral em Bissau.

Por esta época, a grande arma dos fuzileiros é a emboscada, "uma táctica que deu bons resultados, apanhámos muitos do PAIGC", sublinha Zé Grande. "Calculávamos os caminhos de penetração da guerrilha e um grupo ficava emboscado e outros dois em movimento; isto durante umas duas horas, depois mudávamos de posição." Uma operação podia durar até 36 horas.

"Tínhamos preparação para não ter medo do inimigo", nota Galante Guerra, "mas ficámos todos marcados. A guerra deixa sempre uma marca, invisível ou não".(DN)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Mensagens consideradas difamatórias ou que não se coadunem com os objectivos do blogue Defesa Nacional serão removidas.